quinta-feira, setembro 17, 2009

ARTE & LAZER

O Conceito de arte tem sido uma busca constante e motivo de polêmica desde a Antigüidade, grega, muito anteriormente ao surgimento da estética, entendida corno uma disciplina filosófica para o estudo dos modos específicos de apropriação da realidade, na qual se destacam as questões ligadas à sensibilidade. Vale destacar, aliás, que se no âmbito dessa disciplina se observam reflexões sobre as manifestações artísticas, estas não são exclusivas; a preocupação é corno todo conjunto de relacionamento no qual se destaque a mediação das sensações.
Se a estruturação dessa disciplina data do século XVIII, desde os gregos se discutia o que seria a arte e qual seria sua função, debates de alguma forma conectados com as reflexões acerca dos conceitos de beleza e de sua relação com a compreensão do que seria verdade. Em Platão, por exemplo, podemos identificar certa oposição entre arte e filosofia, fruto de uma disputa pela supremacia na produção de conhecimento. Compreendia-se que a arte somente imitaria a vida, permitindo, portanto, um simulacro de entendimento. Enquanto isso, a Filosofia transcenderia e permitiria o acesso aos objetos em si, em decorrência de sua possibilidade de contemplação.
Estavam lançadas as bases de uma compreensão que, ora mais ora menos, vai perpassar a história da sociedade ocidental: o conhecimento racional é o que deve ser mais valorizado. Com isso, aponta-se um caminho de separação, de distanciamento entre a arte e a vida, algo que traz impactos e deve ser cuidadosamente considerado na intervenção do animador cultural. Há um rosário de equívocos historicamente construídos que precisam ser desfeitos urgentemente na contemporaneidade.
Depois de um longo percurso de tentativas de definição da arte a partir de sua essência, mias recentemente podemos destacar a contribuição de Morris Veitz (1995). O autor defende que a própria lógica da produção artística desautoriza qualquer tentativa de defini-Ia pela essência, já que é um campo que se caracteriza notavelmente por ser aberto e imitável em razão da constante busca de originalidade. Propõe, assim, que abandonemos a busca por uma definição do conceito_ chamando a atenção para possamos compreender unia dupla dimensão: a classificatória e a apreciativa, nem tudo que é rotulado como "arte" e, dessa forma, vivenciando pelas pessoas.
A partir dessa provocação, novos estilos de definição começam a ser gessados. Desloca-se o eixo da busca das propriedades da arte para, seu processo de geração, para organização do campo. Essa preocupação está, por exemplo, contemplada na teoria institucional da arte proposta por George Dickie (1971). Para ele, quem deve definir o que é uma manifestação artística são os indivíduos e as instituições que transitam nesse campo de relações_
Se a proposta de Dickie avança no sentido de chamar a atenção para o contexto social, rearticulando arte e sociedade, é limitada na medida em que é puramente formal. Na verdade, o autor não só não resolve o problema de definição com sua isenção, como também acaba por limitar o campo a seus extratos mais estandardizados. Tal compreensão acabaria por excluir grande parte das possibilidades de inovação e criação; a produção dos Impressionistas e de Van Gogh, só para ficar nesses exemplos, só seria considerada como artística muito depois de sua ocorrência, já que houver resistência claras no momento em que emergiram, se formos pensar na arte contemporânea, tal fato se tornaria ainda mais ]imitante. Além disso, elimina um grande conjunto de obras que não freqüentam museus, centros culturais e/ou são menos visualizadas pelas instituições nem sempre atentas do mundo artístico.
Mais ainda, em um mundo onde o mercado é extremamente voraz, segmentado e discriminatório, tal teoria seria no mínimo perigosa para o próprio desenvolvimento artístico e para pensarmos a questão da produção e da difusão cultural.
Já Arthur Danto (1981) tende a conceituar a arte em razão de sua ocorrência histórica: seria aquilo que, em cada contexto específico, fosse definido como tal. Se Danto critica Dickie por sua falta de compreensão histórica, no fundo acaba incorrendo em problema semelhante, pois quem vai definir o que é arte em cada momento senão os indivíduos e instituições ligadas ao mundo artístico?
Mais recentemente, tende-se a definir a arte como uma prática sociocultural. Assim sendo, solicita uma preparação prévia no sentido de ser vivenciada plenamente e de compreensão de suas peculiaridades, que se não observada, mesmo que não funcione como elemento absolutamente impeditivo de seu acesso, pode, sim, funcionar como dificultados de sua fruição e de sua produção, aqui entendia tanto como confecção como possibilidade de diálogo crítico. Não há uma essência, mas sim uma existência (construída de forma múltipla) que define o papel que ocupa na sociedade. Esta forma de existir, entretanto, não pode ser encarada como único parâmetro de definição, e sim como desafio para que se concebam diversas formas de ampliação de seus sentidos, de seus significados, de suas formas de vivência.
Vale a pena destacar que, a partir dessa perspectiva, tem sido comum a recuperação do pensamento pedagógico de John Dewey: a arte como experiência. Esse autor não tinha por objetivo definir de forma categórica o que é arte, mas construir conceitos que permitissem que com ela trabalhássemos de forma a ampliar os limites de suas compreensões habituais. Não se trata de estabelecer uma verdade acerca da arte, mas repensá-la a partir do entendimento de sua importância, de seu papel na vida dos indivíduos, de sua função social, encarando-a fundamentalmente como uma forma específica de contato com a realidade, que traz impactos para além da própria obra em si. Se também tal proposta apresenta limites e possibilidades de crítica, parece que permite encaminhar profícuas perspectivas de intervenção pela e a partir da arte.
A arte poderia ser entendida como o que as pessoas sentem como arte. A questão passa a ser que condições concretas os indivíduos têm de sentir ou não a partir de determinadas obras. Obviamente há uma relação clara entre condições objetivas (o econômico, as possibilidades de acesso, a oportunidade de experiências, os estímulos no decorrer da vida, por exemplo) e as vivências subjetivas. Os indivíduos deveriam ser educados e oportunizados a ampliar as suas possibilidades de extrair sensações de manifestações as mais diversas possíveis. Ressignifica-se, com isso, o papel da arte na vida dos indivíduos e o espaço que ocupa nas agências de formação (escola, família.tempo livre).
Ao mesmo tempo, os indivíduos devem der estimulados a se compreender como produtores, não aceitando os limites, muitas vezes rígidos, impostos pelas instituições artísticas formais, o que pode desautorizar suas acerca das obras e desconsiderar sua formas específicas de manifestação a partir de um critério duvidoso de qualidade.
Assim, o posicionamento de alguém que não seja crítico profissional deve ser também considerando e não descartado a priori como "opinião de um não entendido", ainda mais se estiver pautado em construções de conhecimento constantes acerca do acessado. As manifestações artísticas também não podem ter seu valor julgado de forma apriorística, de maneira preconceituosa: o samba pode ser tão arte quanto a música clássica, a pintura naif não é menos valorosa do que as obras expostas em famosos museus- a dança das ruas pode ter um statuas artístico tão respeitável quanto o do balé clássico. A valor da manifestação não deve ser estabelecido por algo que venha de fora, mas construído a partir dos efeitos que ocasiona nos diferentes indivíduos, considerando que estes devem ter acesso a processos de formação.
A experiência estética é o grande valor das obras de arte, aquilo que devem ocasionar. Sem essa experiência, esvazia-se a potencialidade de sua intervenção. Um quadro bastante valorizando por uma instituição famosa não deixa de ser arte quando não é reconhecido por um indivíduo, mas para ele deixa de ser encarado como tal. O potencial da arte está na sua experimentação e no que desencadeia a partir dessa vivência. Quando permite e ao indivíduo exercer sua possibilidade de crítica e de escolha; quando amplia, ao incomodar, as formas de ver a realidade; quando educa para a necessidade de olhar cuidadosamente (tão importante em um mundo de signos e símbolos); também quando desencadeia vivência prazerosas (embora estas não devam ser consideradas como único padrão de julgamento: por vezes não é essa a intencionalidade do artista), a arte cumpre sua função social. Quando cumpre esses papéis, a arte extravasa sua existência para além da manifestação em si. Quando não, as obras podem não passar de algo amorfo para alguns, privilégio de uma minoria.
Perceba-se que não estamos a falar da arte como meio de educação. Ela é uma parte importante de nossa vida (somente não assim, reconhecida em razão dos quadros de tensões sociais) e possui uma ligação inextricável com a realidade. Portanto, a experiência artística (compreendida, ressalte-se, como produção de um objeto específico, mas também como diálogo crítico com as obras) passa a ser uma vivência fundamental para que os seres humanos melhor compreendam o que está a seu redor. A arte não tem uma função, é uma função. Não se trata somente de pensar em uma educação pela arte, mas, fundamentalmente, em uma educação para a arte.
Para tal, então, como profissionais de lazer, devemos investir em processos de educação artística que, na verdade, se estruturariam como de educação estética. Alguns parâmetros claros devem ser observados: a necessidade de superação do distanciamento entre a arte e a vida: tem uma existência concreta, expressa uma apreensão acerca da realidade, não é menos importante do que outras formas de conhecimento; em uma última instância, podemos falar da possibilidade de viver a vida como uma arte; h) a necessidade de compreender com profundidade e amplidão o papel e a função da arte: deve desencadear sensações naqueles que a procuram (ser experienciada corporalmente), não pode ser ascética, não é para poucos privilegiados, é uma forma de expressão acessível a todos.
Ao contemplar os interesses artísticos em seu programa, o profissional de lazer deve ter em vista que deve contribuir para educar a sensibilidade de seu público-alvo, apresentando, em um processo paulatino de mediação e diálogo, novas linguagens e possibilitando a vivência de novas experiências, a partir das quais pode construir conhecimento acerca das peculiaridades de cada manifestação em sua diversidade de correntes e propostas. Obviamente nesse processo não cabe preconceito a priori com qualquer manifestação. O intuito não é de se posicionar contra qualquer forma de organização artística, mas de ampliar os limites de experiência estética dos indivíduos, dando condições para que se possa escolher com mais clareza e critério, de acordo com os desejos e escolhas.Não se trata de somente incorporar esses interesses na perspectiva da contemplação. Podemos (e devemos) também contribuir para despertar nos indivíduos seu senso de produção artística. Não se trata de trabalhar no sentido de formar renomados artistas plásticos, músicos ou escritores, mas sim estimular em cada um as sensações ocasionadas pelo ato de pintar, cantar, tocar, representar, escrever. Ainda mais, estimular a percepção de que essa produção pode se dar em diálogo com o que já existe configurando, não necessariamente precisa se comparar ou se limitar ao já é valorizado pelo circuito de produção artística.

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