terça-feira, maio 26, 2009

Estudos do lazer: um panorama contemporâneo.

No Brasil, as primeiras iniciativas de intervenção relacio­nadas ao lazer, cujos primórdios se encontram no final do século XIX, partem de preocupações com o tempo livre da população das maiores cidades do momento. Tais preocupa­ções podem ser entendidas no contexto de duas ocorrências históricas. Uma delas é o surgimento das primeiras organiza­ções de trabalhadores. Entre suas reivindicações pioneiras se encontrava a redução da jornada diária. Desde as primeiras gre­ves, lutou-se por um maior tempo livre, a exemplo do que ocorria na Europa. Na verdade, o contexto crescente de industrialização paulatinamente vai inserir o país em movimento semelhante ao do continente europeu.
Além disso, o próprio contexto de modernização da socie­dade brasileira vai contribuir a fim de tornar importante, para as cidades em crescimento, os momentos de vida festiva. Podemos identificar uma busca gradativa dos espaços públicos e uma or­ganização crescente do mercado de diversões, inicialmente com o teatro, posteriormente com o esporte e o cinema. Algo similar ao que ocorrera na Europa no período conhecido como Belle Époque, como foi o caso de Manaus no período áurea da borracha (1890-1920).
Naquele momento, o lazer ainda não era compreendido como um campo acadêmico e de intervenção profissional. Tais perspectivas somente passaram a se desenvolver a partir da década de 1920, quando alguns profissionais, influenciados pela experiência norte-americana e européia, começaram a se preo­cupar com maior profundidade e a propor estratégias de melhor organização dos espaços de lazer de algumas cidades, nota­damente em Porto Alegre (dirigidas por Frederico Gaelzer), em São Paulo (implementadas por Nicanor Miranda), e um pouco depois no Rio de Janeiro com o Serviço de Recreação Operária, dirigido por Arnaldo Sussekind e em Manaus com a construção da cidade pelos ingleses, esses espaços também foram construídos, tais como: Velódromo Álvaro Maia, Parque Amazonense e as áreas para regatas de remo nos igarapés de Manaus, dentre outras.
As primeiras "Praças de Esporte" e "Centros de Recreios" surgiram na transição das décadas de 1920 e de 1930, inseri­dos no quadro de controle dos espaços públicos, processo em desenvolvimento desde o fim do século XIX. Naquele momento, as atividades "recreativas" eram entendidas como forma de ma­nutenção da saúde e recuperação da força de trabalho, dimen­sões importantes para um país que se industrializava e sentia os impactos desse processo, principalmente na organização das cidades, que cresciam rapidamente e de forma desordenada. Não por acaso, houve uma forte ligação e um grande ofereci­mento de atividades físicas, consideradas as mais adequadas, tendo em vista tais intuitos.
No Brasil, os autores pioneiros das reflexões sobre a "re­creação" como uma boa solução para minimizar os problemas desencadeados pela modernidade, possibilitando intervenção na saúde e na higiene dos habitantes. Eram críticos em re­lação às mazelas sociais, mas não em relação às injustiças sociais que as ocasionavam, bastando a administração de um remédio eficaz que "mascarasse" os sintomas: as "atividades recreativas".
Assim sendo, rapidamente se estabeleceu uma forte re­lação com o profissional de Educação Física, encarado como o que possuía a formação mais adequada para atuar no campo da "Recreação" que se estruturava. Não por acaso, durante muitos
anos, este foi o profissional que esteve mais atuante com as atividades de lazer, uma dimensão ainda hoje presente e facil­mente identificável na presença constante de disciplinas ligadas ao campo de atuação em praticamente todos os cursos de for­mação profissional da área de Educação Física'.
Vale a pena destacar que nesse momento também pas­samos a conviver com duas nomenclaturas: "recreação" (uma influência norte-americana) e "lazer" (uma influência européia). Esta dupla definição persiste até hoje entre nós, normalmente sendo utilizado o primeiro termo para designar o conjunto de atividades, e o segundo para abordar o fenômeno social.
O problema é que historicamente foi construída uma res­trição do termo "recreação" a um conjunto de atividades (jogos, brincadeiras, etc.), empobrecendo o entendimento do fenômeno lazer e limitando as possibilidades de intervenção pedagógica a um simples oferecimento despretensioso de tarefas destinadas somente a passar o tempo.
Naquele momento histórico (décadas de 1920 e 1930), outro campo de intervenção trouxe à tona as preocupações com as "atividades recreativas": o primeiro segmento escolar, aquele que abarca as crianças mais jovens por ocasião de sua entrada nos colégios, mais uma vez estabelecendo-se uma forte ligação com a Educação Física.
A partir daquele instante, começa-se, de forma enfática, a apresentar as atividades de "recreação" como as mais ade­quadas para atuar na Educação Física com crianças daquelas séries iniciais, uma preocupação que já existia nas Escolas Nor­mais desde o século XIX. Vejamos mais uma vez que, na ver­dade, referia-se a brincadeiras e jogos, confundindo-os com os mesmos implementados nos parques e praças.
Concomitante às preocupações com a "recreação" em pleno desenvolvimento, começaram a surgir disciplinas especí­ficas nos cursos de graduação em Educação Física, e também os primeiros livros ligados ao assunto; pioneiras tentativas de teorização e constituição de um campo acadêmico mais sólido. Nas décadas de 1940 e 1950 esses livros eram em geral apa­nhados de jogos, uma prática que persiste até os dias de hoje, ou tentativas de teorização a partir de conexões com a psicolo­gia. Surgem também os primeiros cursos de aprofundamento e extensão, o que demonstra que aumentam as preocupações com a atuação profissional, foco primordial de reflexões.
Nesse percurso podemos identificar alguns problemas que de alguma forma ainda persistem: a) uma perspectiva de compreensão das atividades de lazer como remédio para cor­reção dos problemas da sociedade "moderna"; b) em função do contexto social e da formação de origem de grande parte dos profissionais (Educação Física), uma valorização excessiva das atividades físicas, quando o campo do lazer é por certo mais amplo; c) a não consideração das diferenças entre atividades a serem aplicadas na escola e fora dela, notadamente a partir da adoção da noção de "recreação"; d) uma maior valorização para o simples elencar de atividades e pouca compreensão acerca da importância dos referenciais teóricos que permitam uma in­tervenção qualitativamente superior .4
Ainda que tenha uma longa trajetória anterior, é somen­te a partir da década de 1960 que as discussões relacionadas ao lazer, à recreação e à animação sociocultural ampliam-se e tornam-se mais freqüentes. Inicialmente devemos considerar a influência do conjunto de experiências relacionadas à Educa­ção Popular e do pensamento de Paulo Freire, que acabam por explicitar e questionar os limites das intervenções usualmente desenvolvidas, e a exigir uma nova postura perante a animação sociocultural (mesmo que ainda o termo não fosse normalmen­te utilizado), algo plenamente compreensível naquele momento histórico, marcado pela perspectiva de construção de uma de­mocracia ampla no país.
Essa perspectiva de intervenção é, em certo sentido, bas­tante obliterada pelo golpe militar de 1964. Ainda assim, essas experiências continuam em desenvolvimento, mesmo no ambien­te de tensão estabelecido pelo cenário da ditadura, e marcam fortemente um modus operandis original, que inclusive extrapola as fronteiras nacionais: o pensamento de Freire se torna refe­rência em vários outros países latino-americanos, africanos e mesmo europeus (em Portugal, por exemplo).
Outro fator relevante é o fato de as temáticas "recreação" e "lazer" começarem a ser tratadas de forma mais sistemática, tanto em instituições acadêmicas quanto em iniciativas de orga­nizações governamentais. No âmbito das universidades, desde os anos 1970 e mais claramente a partir da década de 1980, organizam-se grupos de pesquisa, realizam-se eventos cientí­ficos, escrevem-se artigos e livros sobre a temática, no interior de diferentes áreas do conhecimento. Em comum, entre essas diferentes reflexões, deve-se ressaltar a compreensão da carac­terística multidisciplinar da temática.
Além disso, deve-se destacar a tendência de tratar o as­sunto de forma mais crítica, isto é, não mais oferecer somen­te um conjunto de atividades para o simples passar do tempo, que acaba contribuindo para a alienação do indivíduo perante à sociedade. Trata-se, sim, de perceber que temos uma podero­sa ferramenta de intervenção em busca da construção de uma nova ordem social, mais igualitária e mais justa. Nos órgãos do governo, vemos surgir as primeiras inicia­tivas de elaboração mais estruturada de políticas públicas, mes­mo que ainda tímidas e, muitas vezes, perpetuando determina­das imprecisões conceituais, como sua dissociação do fórum da cultura e sua ligação direta e linear ao esporte. Sem falar no fato de que as secretarias ligadas à temática normalmente recebem menos verbas, como se ainda persistisse uma rígida hierarquia das necessidades humanas. Curiosamente, entre governos con­servadores e progressistas, vemos equívocos nas políticas pú­blicas relacionadas ao lazer e à animação cultural.
Nesse quadro, tornaram-se mais freqüentes iniciativas institucionais, por parte do poder público, de oferecimento de atividades de diversão, tais como a organização de passeios ci­clísticos e o fechamento de logradouros ao trânsito nos fins de semana, as chamadas ruas de lazer. Nos anos 1970, seguindo a campanha "Mexa-se", o governo federal lança o programa "Es­porte para Todos".
O lazer emerge como importante instrumento de "re-hu­manização", encontrando seu lugar na pauta das agendas públi­cas. O "Seminário Nacional sobre Lazer", realizado em Curitiba, em novembro de 1974, foi apontado como a iniciativa responsá­vel por ter transportado o "problema da qualidade de vida numa grande cidade para a esfera concreta das preocupações oficiais" (Revista VEJA, 4 de dezembro de 1974, p. 54). Com a presença de arquitetos, urbanistas, sociólogos, economistas e assisten­tes sociais, o evento foi avaliado como uma "cruzada em favor de uma nova, mais humana e mais atraente fisionomia para as grandes metrópoles contra um universo de tédio, frustrações culturais e desespero que perseguem seus habitantes" (Revista VEJA, 4 de dezembro de 1974, p. 54).
Em 1975, novo congresso seria realizado, dessa vez no Rio de Janeiro: o 1 Encontro sobre o Lazer, Cultura, Recreação, Educação Física". E, também, começaram a ser traduzidos os livros do pesquisador e sociólogo francês Joffre Dumazedier', proponente da constituição de uma sociologia empírica do lazer, para ele única forma de dar conta da complexidade do fenômeno na contemporaneidade. Em breve, a temática passaria também a ser discutida nas universidades e seria tratada como questão acadêmica; as suas relações com a questão urbana não mais abandonariam as pautas de investigação.'
Nas décadas de 1980 e 1990, além da continuidade de organização do campo acadêmico e do aperfeiçoamento de ex­periências de intervenção, vemos o delineamento definitivo no Brasil, embora ainda embrionário, de iniciativas ligadas à orga­nização de uma "indústria de lazer e de entretenimento", como já ocorrera em outros países do mundo. Notadamente podemos identificar o crescimento das preocupações com o turismo, a consolidação do esporte como poderoso produto de negócios, o fortalecimento do mercado cultural ligado às diversas manifes­tações artísticas, o aumento do poderio dos meios de comuni­cação, o rápido (embora desordenado) crescimento do mercado de parques temáticos.
No que se refere aos museus, cinemas, teatros e todo equipamento artístico, vemos que no Brasil também cresce a profissionalização de sua administração e a organização de grandes eventos, sendo cada vez maior a preocupação eco­nômica com tal mercado. É importante também destacar que o Brasil já é reconhecido como parte do grande mercado interna­cional de cultura, tendo chamado a atenção de conglomerados multinacionais que, paulatinamente, têm se instalado no país.
Estima-se que a indústria cultural brasileira tenha movi­mentado, no ano de 1998, aproximadamente R$ 6,5 bilhões, (cerca de 1% do Produto Interno Bruto - PIB), e que, em 2000, mais de 2.500 empresas tenham investido em cultura. Somente no Estado do Rio de Janeiro, tal setor movimentou 3,8% do PIB, tendo mobilizado, em 1999, R$ 5,1 bilhões, recolhendo mais ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do que indústrias tradicionais como a de química e a de alimentos. Não é de surpreender, então, o resultado de uma consulta da Target Pesquisas, indicando que entre 1983 e 1997 praticamen­te dobrou, em todas as classes (A, B, C e D), a fatia de orçamen­to destinada ao consumo de produtos de lazer/entretenimento.
A questão é que esse mercado e essas oportunidades têm se desenvolvido de forma bastante seletiva, somente acessível em sua plenitude à pequena parcela da população. O desafio maior nesse momento parece ser estruturar estratégias que per­mitam e estimulem os extratos excluídos da população brasileira a ter acesso a tais bens culturais, um dos desafios maiores e mais prementes para pensarmos o fenômeno social Lazer no Brasil.
Como hoje se delineia em nosso país o campo de iniciativas ligadas ao lazer? Podemos traçar um panorama a partir de seus elementos constitutivos. No que se refere aos grupos de pesquisa, nos últimos 10 anos, tornaram-se mais estruturados e atuantes co­letivos que se dedicam ao estudo de diversos aspectos ligados ao lazer na sociedade. Até o momento, temos cerca de 50 grupos cadastrados no Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).
Se analisarmos sua distribuição pelas regiões brasileiras, veremos que a concentração é maior nas regiões Sudeste e Sul. Percebemos uma grande concentração de pesquisas nas regiões mais ricas do país, sendo um desafio difundirmos os estudos para aquelas regiões menos desenvolvidas do ponto de vista econômico.
Podemos também identificar que mais da metade dos grupos estão abrigados em faculdades ou departamentos de Educação Física. Outra parte significativa está organizada em faculdades de Pedagogia (em muitos casos também liderados por profissionais oriundos da Educação Física) e em departa­mentos de Antropologia. Há também grupos nas áreas de Tera­pia Ocupacional, Fisioterapia, Administração, Pedagogia, Economia, Turis­mo, Urbanismo e Arquitetura, Psicologia e Medicina." Vale ressaltar que, no cadastramento de cada grupo, o coordenador indica palavras-chaves que identificam sua organi­zação. Foi possível perceber que, na verdade, em alguns des­ses grupos a temática lazer não é a de principal interesse, mas sim ocasionalmente discutida. Mesmo nas linhas de pesquisa de alguns grupos não foi possível encontrar referências explícitas à temática.
De fato, temos no Brasil cerca de 15 grupos específicos e exclusivamente organizados para estudar, pesquisar e intervir no campo do lazer. Um número ainda pequeno se considerarmos a importância que a temática possui e mesmo se levarmos em con­ta que já existem muitas estratégias de intervenção em desen­volvimento, notadamente em comunidades de baixa renda.
No que se refere às associações científicas, não possuímos no Brasil uma específica e exclusiva dedicada ao lazer. Contudo, no âmbito do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), entidade científica que congrega interessados em discutir a Edu­cação Física e o Esporte, está organizado um Grupo de Traba­lho Temático (GTT) para tratar do assunto. O CBCE organiza congressos nacionais a cada dois anos; e, periodicamente, con­gressos regionais/estaduais, sempre com a participação ativa do GTT de lazer. A temática é também freqüentemente abordada no periódico científico daquela entidade: a Revista Brasileira de Ciências do Esporte.
Além disso, a temática é constantemente discutida nas iniciativas da Associação Brasileira de Bacharéis de Turismo (ABBT), que também organiza periodicamente eventos científi­cos, como o Congresso Brasileiro de Bacharéis de Turismo; bem como em iniciativas ligadas às associações de outras áreas de conhecimento (o que não surpreende, pois estamos falando de temáticas multidisciplinares).
No que se refere aos eventos científicos específicos, te­mos no país dois encontros regulares: a) o Encontro Nacional de Recreação e Lazer (ENAREL), realizado anualmente; b) o Se­minário Lazer em Debate, também anual. Como se pode iden­tificar, temos um número pequeno de encontros especiais para a temática.
Pensando na questão da publicação e da difusão de pes­quisas e experiências relacionadas aos assuntos, podem-se identificar artigos apresentados nos mais diferentes periódicos, das mais diversas áreas de conhecimento. Contudo, a Licere é o único periódico exclusivo publicado no Brasil, editado pelo Centro de Estudos do Lazer da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais.
Já no que se refere à formação profissional, temos mui­tas iniciativas organizadas no país. Existem vários cursos livres sendo oferecidos por entidades diversas e/ou em eventos es­pecíficos, mas nem sempre se pode atestar a qualidade dessas iniciativas. Grande parte dos profissionais de lazer continua sen­do preparado no âmbito de outros cursos de graduação, notada­mente nas faculdades de Educação Física e Turismo, nos quais existem disciplinas específicas ligadas ao assunto. Vale também destacar que em algumas faculdades de Educação Física é ofe­recido um aprofundamento particular direcionado ao lazer, nor­malmente a partir do terceiro ano de curso.
No caso de pós-graduações, no mestrado e doutorado, o assunto tem sido abordado em programas das mais diversas áreas (Educação Física, Psicologia, Comunicação, Educação, Ciências Sociais, Turismo, entre outras). No ano de 2007, a Uni­versidade Federal de Minas Gerais deu início ao primeiro curso de mestrado especificamente ligado à temática,como também a Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, na área de concentração em Corporeidade,Pedagogia do Movimento e Lazer.
No caso das especializações (pós-graduações lato sen­su), encontramos quadro semelhante ao das graduações. A te­mática é tratada em alguns cursos na área de Educação Física e Turismo, por meio de disciplinas próprias ou como estímulo à produção de monografias, entretanto existem poucos cursos completamente dedicados à formação do profissional de lazer.
Entre esses, destaca-se o Curso de Especialização em Lazer, promovido e oferecido pelo Centro de Estudos de Lazer da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Mi­nas Gerais, o único oferecido com regularidade. Por lá passa­ram muitos dos profissionais que hoje atuam como animadores culturais e/ou como pesquisadores na área. Existem também os cursos de especialização no formato Master Business Adminis­tration (MBA), cujo objetivo pronunciado é a formação do admi­nistrador e do gestor de negócios.
Além disso, nas áreas ligadas às artes (música, cinema, artes plásticas) se não percebemos comumente uma discussão ligada ao lazer e à animação cultural, podemos sim identificar preocupações com a preparação do profissional que servirá
como intermediário entre o grande público e as obras mais com­plexas no contexto da contemporaneidade: o professor de edu­cação artística, o mediador cultural ou monitor de exposições, que também atuam como animadores culturais.
Todas essas importantes iniciativas de formação, sob pontos de vista diversos, procuram apontar os caminhos, os de­safios, os limites e as perspectivas para que seja possível pre­parar o profissional que atuará nos mais diversos âmbitos de intervenção. Contudo, somos forçados a admitir que: a) ainda estamos longe de compor um quadro seguro de reflexões re­lativas a uma boa qualidade de formação; b) grande parte dos profissionais de lazer atuantes no mercado não teve acesso a tais pensamentos e ainda atua de forma no mínimo simplista, para não dizer equivocada.
Alguns fatores por certo dificultam a implementação de uma formação de melhor qualidade do profissional e pesquisa­dor de lazer, entre elas:
a) a tradição histórica, que muitas vezes ainda confunde a atuação no âmbito do lazer com o simples oferecimento de uma série de atividades. Por isso, é comum encontrarmos cursos e livros que nada mais fazem do que apresentar um repertório de brincadeiras, sem uma discussão teórica mais consistente. Em alguns locais, podemos dizer que este ainda é o pensamento hegemônico;
b) a compreensão de que trabalhar no âmbito do lazer é simples, no qual qualquer um pode atuar, bastando ter algumas características de personalidade (ser divertido, ter carisma) e sa­ber muitas brincadeiras;
c) as características multifacetadas do mercado de atua­ção profissional. Imagine-se a dificuldade de formar um profis­sional que pode atuar nos mais díspares postos de trabalho;
d) o caráter não disciplinar da temática, afinal diversas áreas de formação estão relacionadas com a atuação do profis­sional: Educação Física, Dança, Artes Plásticas, Música, Teatro, Cinema, Psicologia, Sociologia, Comunicação Social, Adminis­tração, Turismo, entre outras;
e) a desvalorização do profissional, não havendo ainda nenhuma regulamentação mais explícita relacionada com a jor­nada de trabalho, salário, condições de atuação, etc.;
f) o perfil exigido do profissional, complexo em função da peculiaridade do campo de atuação.
Quais são as práticas e qual o campo de trabalho do profissional de lazer? A grande "novidade" neste cenário con­temporâneo é a explosão do número de "projetos sociais", na maior parte das vezes conduzidos por organizações não-go­vernamentais. Apresentados, não poucas vezes, como a "única saída possível" para a situação de pobreza que atinge grande parte da população brasileira, muitas são as polêmicas que cercam tais iniciativas: estaria o Estado abrindo mão de suas responsabilidades, transmitindo-as de forma pouco controlada para outros setores, supostamente organizados da sociedade civil? Não estaríamos a ver surgir uma "indústria da pobreza", cujos maiores beneficiários são os setores das classes médias empregados e determinados empresários que ganham com a isenção de impostos e com a construção de uma imagem de responsabilidade social? Esses projetos não continuam a pro­pagar o velho discurso funcionalista e salvacionista, agora com novas roupagens? No fundo grande parte desses projetos não acaba trabalhando com a mesma lógica cultural da sociedade do espetáculo? Quais são os reais ganhos que tais projetos trazem aos envolvidos? De qualquer maneira, cresce notavel­mente o campo de atuação com o rápido surgimento dessas iniciativas.
Pode-se perceber que o campo de trabalho é crescente também em outros espaços: clubes, ruas de recreio, colônias de férias, hospitais, empresas, festas infantis, acampamentos, museus e centros culturais, podendo o profissional atuar tanto diretamente animando o público-alvo quanto como gestor/admi­nistrador de atividades.
Muitas entidades privadas oferecem programas de lazer. Entre estas, destacam-se o Serviço Social do Comércio (SESC) e o Serviço Social da Indústria (SESI), que possuem longa tra­dição de envolvimento com o assunto e uma vasta rede de ins­talações em todos os estados brasileiros. Ambas são entidades patronais, atuantes desde a década de 1940, mantidas por um imposto recolhido dos empresários do comércio e da indústria. Em certos locais e em certos momentos históricos, tais entida­des chegaram a substituir a ação dos poderes públicos.
Enfim, este é o quadro que se apresenta no Brasil. A te­mática lazer nos últimos 20 anos têm se tornado cada vez mais uma preocupação e avançam as iniciativas ligadas tanto à refle­xão teórica sobre o assunto quanto ao número de experiências concretas de intervenção. Mas ainda são enormes os desafios a serem encarados e muitas as ações e as tarefas a serem enca­minhadas para tornar qualitativamente superior nossa compre­ensão e nossa capacidade de intervenção.
Este livro apresenta um pouco desses esforços. Seus ca­pítulos são investigações desenvolvidas por pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, articuladas ao redor de um grupo de pesquisa na cidade de Manaus, tendo em comum o fato de buscarem inserir o lazer no cenário de tensões da sociedade contemporânea, uma preocupação com articulação entre teoria e prática e um desejo por contribuir para a construção de uma cidade mais justa.Esperamos que o leitor, após ler esta produção coletiva, sinta-se convidado a embarcar nessa fascinante viagem pela cidade de Manaus e pelos
magníficos conteúdos do lazer.

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