sexta-feira, abril 23, 2010

DO ESPAÇO URBANO DA EXCLUSÃO DA PESSOA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS A ACESSIBILIDADE

A vida em sociedade caracteriza-se pela permanente tensão existente entre os diversos segmentos que a compõem. É na trama das relações sociais que se definem os lugares e os papéis que as pessoas ou grupos irão ocupar e desempenhar no complexo palco da vida.
Esse processo de definição de lugares e papéis não constitui, todavia, um fenômeno estático. Ao contrário, o que gera a já mencionada tensão social é justamente o seu caráter dinâmico. Esse tensionamento se torna mais, ou menos, intenso na medida em que as tentativas de redefinição ou de manutenção dos lugares e papéis se intensificam ou se amenizam, gerando, por um lado, forças e criando instrumentos e estratégias de ocupação dos diversos espaços; enquanto que, por outro lado, forças se retraem, cedendo espaço para que outras avancem.
Cumpre ressaltar, todavia, que as práticas relativas à ocupação de espaços nunca são política e socialmente neutras; ao contrário, elas estão sempre carregadas de conteúdos de classe ou de outro conteúdo social qualquer, constituindo-se, muitas vezes, num conflitante foco de luta social. Neste sentido é que Foucault, (1994) afirma que "O espaço é fundamental em toda forma de vida comunicaria; o espaço é fundamental em todo exercício de poder...".
De modo geral, os empreendimentos feitos para ocupação dos espaços sociais concentram-se basicamente em duas direções: a ocupação do espaço físico e a ocupação do espaço discursivo, o que se dá, evidentemente, de forma simultânea e inter-relacionada.
As últimas décadas têm sido marcadas por manifestações de diversos grupos minoritários, os quais procuram cada um a seu modo, ampliar suas formas de ocupação dos espaços sociais. É o que ocorre, por exemplo, com as pessoas portadoras de deficiência. Cada vez mais esses indivíduos reivindicam direitos e deveres, tornando pública uma questão cuja reflexão se restringia, até há bem pouco tempo, somente aos próprios deficientes e a um número reduzido de pessoas não deficientes diretamente envolvidas com tal problemática, como são os casos dos familiares de deficientes e dos profissionais da área da Educação Especial.
Reunindo um grande número de profissionais de diversas áreas, a Educação Especial tem se constituído, ao longo dos anos, no mais importante fórum de discussão e de apresentação de propostas de melhoria da qualidade de vida das pessoas deficientes. Isto se deve por certo ao seu caráter eminentemente interdisciplinar, uma vez que as dificuldades enfrentadas por estas pessoas perpassam toda a sua existência.
No Brasil, os atuais critérios de definição da clientela da Educação Especial encontram-se elencados no documento Política Nacional de Educação Especial, publicado em 1994 pela Secretaria de Educação Especial — SEESP — do Ministério da Educação e Desporto -MEC.
De acordo com esse documento, tal clientela é constituída por três grandes grupos, cada qual reunindo, por sua vez, um numeroso grupo de tipos e graus de excepcionalidade.
No primeiro grande grupo, denominado Portadores de Altas Habilidades, situam-se as pessoas que apresentam, de forma isolada ou combinada, elevada potencialidade ou desempenho significativamente acima da média em um ou mais dos seguintes aspectos: intelectualidade, aptidão acadêmica específica, criatividade, produtividade, capacidade de liderança, aptidão para as artes e psicomotricidade.
No segundo grupo, identificado como Portadores de Condutas Típicas, encontram-se situadas as pessoas que apresentam alterações no comportamento social e/ou emocional, acarretando prejuízo no seu relacionamento com as demais pessoas.
Finalmente, no terceiro grupo, denominado Portadores de Deficiências, situam-se as pessoas que apresentam algum comprometimento em um ou mais dos seguintes aspectos: físico (aparelho locomotor ou da fala: deficientes físicos), mental (deficientes mentais) ou sensorial (sentido da visão: deficientes visuais, ou da audição: deficientes auditivos). A ocorrência na mesma pessoa de dois ou mais desses comprometimentos associados caracteriza o grupo dos chamados deficientes múltiplos.
A compreensão do processo de ocupação dos espaços físico é discursivo pelas pessoas portadoras de deficiência passa necessariamente pela identificação das respectivas formações discursivas, no interior das quais os discursos e os respectivos sentidos sobre o desvio são produzidos e movimentados.
A preocupação com a remoção das barreiras arquitetônicas remete ao fato de que elas foram um dia criadas pela própria ação humana, o que demonstra claramente o quanto a sociedade negligenciava e ainda negligência a existência de pessoas por ela consideradas anormais. Ao projetar e edificar prédios e vias de acesso somente para a utilização pelas pessoas tidas como normais, automaticamente se materializava a exclusão de tantas outras. O não rebaixamento de guias nas calçadas, a não existência de rampas de acesso, portas demasiadamente estreitas, pias e vasos sanitários instalados em locais inacessíveis aos usuários de cadeiras de rodas, objetos instalados em vias públicas sem qualquer esquema de identificação pêlos cegos (telefones públicos, lixeiras e caixas coletoras de correspondências, dentre outros), a falta de elevadores e rampas de acesso a transportes coletivos (ônibus, trens, etc.), a ocupação indiscriminada das calçadas por bancas, mesas e barracas são alguns dos muitos obstáculos produzidos pelo próprio homem e que ainda hoje dificultam demasiadamente a locomoção de um grande número de pessoas, principalmente na cidade de Manaus.
Muito embora sejam as pessoas portadoras de deficiências o referencial maior desta reflexão, cumpre destacar que a existência de barreiras arquitetônicas afeta diretamente a vida de um número muito maior de pessoas. As mulheres grávidas, as pessoas obesas, os idosos, as pessoas que empurram carrinhos de bebê ou de compras, dentre outras, também se vêem em apuros quando necessitam transitar pelas ruas ou acessar os espaços públicos ou particulares, Comerciais e residenciais, não tendo desta forma a acessibilidade.
Dessa prática de construção e imposição de inúmeras barreiras arquitetônicas a um número enorme de pessoas, pode-se apreender que tudo isto constitui um ato político cunhado pelo poder e pela ideologia dos defensores da dicotomia normalidade versus anormalidade.
Segundo Harvey (1994), “A parência de uma cidade e o modo como os seus espaços se organizam formam uma base material a partir da qual é possível pensar, avaliar e realizar uma gama de possíveis sensações e práticas sociais".
Neste sentido é que a sociedade de modo geral deve estar atenta à captação dos sentidos produzidos por seus diversos segmentos. Toda ação individual ou grupai representa um clamor à coletividade, com vistas a uma maior atenção à mensagem que está sendo veiculada, seja produzida por um artista, um arquiteto ou um simples cidadão, deficiente ou não. Com certeza, a ordenação estética do espaço social fundada na facilitação de acesso a todos os locais por parte de todos os cidadãos pela remoção das barreiras arquitetônicas constitui um lócus privilegiado para a instauração de uma forma mais justa de relacionamento e de reconhecimento de cada pessoa como um ser humano digno, cuja inserção social não seja encarada apenas como um direito político de cidadania, mas como um direito inerente à existência humana.
A cidade deve ser o lugar de todos, mesmo porque ela é construída, na maioria das vezes, pelas interações e diferenças de cada um, independente da vontade, orientação ou roteiro determinado por autoridade ou por leis, e, como se vê cotidianamente, sobrepondo-se a elas por razões impositivas da realidade, às vezes acima e além do permitido ou do autorizado. Em razão disso há um expressivo desafio para as sociedades e as estruturas de governo atuais: conviver e conciliar esta realidade com a imperiosa necessidade de ordenamento urbano; conseguiu efetivar o uso adequado da propriedade e a manutenção do espaço como o bem comum de todos, aspectos que permeiam outros de igual relevância para as cidades contemporâneas na busca, especialmente, da qualidade de vida de seus habitantes.
Admitindo-se novos usos conferidos aos bens edificados de valor histórico e arquitetônico pelas populações residentes, o que enfrenta questões econômicas atuais, a primazia deve ser a da preservação dos centros antigos para o que devem concorrer, necessariamente, o planejamento urbano e o planejamento físico territorial. Estes planos, de maneira a mais objetiva possível, têm que aproveitar as exigências textuais e práticas de conservação dos bens de interesse cultural aceitando os valores estéticos e culturais que os monumentos deste porte e classificação representam por si mesmos, o que eles traduzem no sentimento e na alma das populações e no espelho das suas tradições mais expressivas. Para o sucesso deste encaminhamento é necessário que dele participem todas as forças sociais, técnicos em assuntos culturais, artistas, restauradores, geógrafos, economistas, sociólogos, antropólogos, urbanistas, arquitetos e, principalmente, os habitantes e usuários destes espaços, com o fito de que a política de preservação conduza a que o patrimônio referenciado se (re) integre na vida social, ou antes, dela não se desintegre.

Um comentário:

Eliana disse...

O autor nos leva a um extraordinário passeio pelo passado, mostrando-nos essas contradições e discutindo possíveis caminhos para a superação dos contrastes gerados por passado e presente de forma envolvente e acessível. De maneira simples, num tom pessoal, discorre sobre lugares que percorreu e pessoas que encontrou, revelando muitas questões que permeiam a pesquisa. Por sua atualidade e magnífica riqueza, este artigo é leitura obrigatória para a compreensão dos grandes temas que cercam o cotidiano de Manaus.Como se vê, aqui há muito pano para manga - manga bem cortada em pano fino, como fina é a qualidade humana e intelectual do autor.

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