terça-feira, maio 04, 2010

A CIDADE DO CIDADÃO EM MANAUS.


Afirmamos que a produção espacial realiza-se de modo a viabilizar o processo de reprodução do capital e desse modo a cidade se apresentaria como a materialização das condições gerais do processo de produção em sua totalidade. Todavia, esse é apenas um dos lados da moeda; o outro refere-se ao trabalhador ao consumidor de modo geral. É preciso considerar a necessi­dade de se morar, habitar e viver num determinado lugar.


O modo como a sociedade vive hoje é determinado pelo modo como o capital se reproduz, em seu estágio de desenvol­vimento. Isso quer dizer, também, que o trabalhador não foge ao "controle" do capital, nem quando está longe do local depois o espaço da moradia tende a submeter-se às necessidades e perspectivas da acumulação do capital. O trabalhador também terá o acesso e as possibilidades de escolha para morar limitados. O modo de vida urbano, sob o capitalismo, impõe disciplina.


As contradições sociais emergem, na paisagem, em toda sua plenitude; os contrastes e as desigualdades de renda afirmam. O acesso a um pedaço de terra, o tamanho, o tipo e mate­rial. de construção espelham nitidamente as diferenciações de classe. O acesso à habitação e aos meios de consumo coletivo serão diferenciados. Teremos aqui duas características básicas:


A primeira. diz respeito à segregação espacial, tanto das pessoas de maior rendimento, quanto das de menor poder aquisitivo. As de maior rendimento tendem a localizar-se em bairros arborizados, amplos, com completa infra-estrutura, em zonas em que o preço da terra impede o acesso a "qualquer um". Há tam­bém os condomínios exclusivos e fechados, com grandes áreas de lazer e até shoppings, com grande aparato de segurança e amplos estacionamentos, como por exemplo a área da Ponta Negra em Manaus. Os de baixo rendimento têm como opção os conjuntos habitacionais, geralmente localizados em áreas distantes dos locais de trabalho. São os bairros operários com in­suficiência ou mesmo ausência de infra-estrutura; e as áreas peri­féricas onde abundam as autoconstruções, além das favelas que afloram no seio da mancha urbana, como Mauazinho,Vila da Felicidade e zona leste nesta cidade.


A segunda característica refere-se à tendência de o espaço urbano (re)produzir e ampliar a distância (tanto em quilômetros quanto em tempo) entre o local de moradia e o local de trabalho. É uma resposta, de um lado, ao aumento populacional e à con­centração na cidade, e de outro ao processo de valorização da terra que deixa vazias áreas imensas da cidade.


A compreensão do fenômeno urbano, no que se refere ao processo de produção, traz a questão do processo industrial. No capitalismo, a produção e o desenvolvimento do urbano vincu- lam-se à instalação e crescimento (direto ou indireto) da ativida­de industrial e das atividades que a indústria cria. Como surgi­mento do fenômeno industrial, o urbano muda de conteúdo. Ao mesmo tempo e na cidade, devido ao seu grau de concentração espacial, que aflora mais claramente a contradição de classes, tão nítida na paisagem dos bairros. Essa contradição se manifes­ta pelo contraste entre a riqueza e a pobreza. É no urbano que se manifestam mais claramente as relações de produção capitalis­tas e onde a violência se faz maior. Como já vimos, a cidade é o campo privilegiado das lutas de classe.Se por um lado o espaço cada vez mais socializado (tanto no que se refere ao potencial de expansão, quanto no que se refere à sua produção), por outro lado a sua apropriação é privada (a diferença entre bairro expressa isso claramente)


O processo de reprodução espacial envolve uma sociedade hierarquizada, dividida em classes, produzindo de forma sociali­zada para consumidores privados, a cidade aparece como um produto apropriado de forma diferenciada pelos indivíduos.


Entender o espaço urbano do ponto de vista da reprodução da sociedade significa pensar o homem enquanto ser individual e social no seu cotidiano, no seu modo de viver, agir e pensar. Significa entender o processo de produção do humano num contexto mais amplo: o da produção da história, de como os homens produziram e produzem as condições materiais de sua existência. Hoje, essas condições ocorrem aprofundando a contradição entre a opulência e a miséria, que reflete a distribuição da riqueza. As condições de vida da sociedade urbana estão vinculadas direta ou indiretamente a isso; é uma relação de poder que extrapola o locus de trabalho.


Dentro desse quadro a (re)produção do espaço é também o vive da reprodução da vida humana.O homem vive onde se pode morar e isso será determinado por sua renda e pelos sacrifícios que pode fazer. Como ele pode morar e em que condições vive depende do acesso aos serviços coletivos produzidos.


O espaço não se (re)produz sem conflitos e as contradições inerentes a uma sociedade de classes. As práticas não se reduzem apenas à produção imediata, dentro da fábrica. É na vida co- tidiana como um todo, que essas contradições se manifestam mais profundamente, nas diferenciações entre os modos de mo­rar, o tempo de locomoção, o acesso à infra-estrutura, ao lazer, à quantidade e tipos de produtos consumidos, etc. Quanto mais a sociedade se desenvolve, mais aprofunda as diferenças entre os indivíduos (fundamentalmente nos países subdesenvolvidos).


O espaço enquanto reprodução da vida coloca-nos diante de um quadro formado pela inter-relação do modo de vida com o processo de trabalho. A habitação como uma das necessidades básicas e fundamentais do homem dá-nos uma visão precisa so­bre o modo de vida urbano, o local de morada é associado ao preço da terra. Este será determinado Pelo jogo de mercado e apoiado nos valores criados e veiculados pela sociedade, num determinado momento histórico.


Na articulação desses fatores está a ausência da explica­ção de distribuição espacial dos habitantes na cidade, qual seja, a relação de classes expressa na contradição entre- a produção e a apropriação da riqueza. Nesse sentido a cidade é expressão da materialização espacial das desigualdades sociais emergentes na sociedade atual.


Enquanto meio de consumo, a cidade é local de moradia, percurso (casa-trabalho, casa-escola, casa-compras, casa-lazer, etc.), trabalho, lazer, cultura. Mas é também poluição, congestionamento, desconforto. Seu consumo pode tanto dar-se através da troca (caso da habitação, transporte, infra-estrutura, saúde, escola) como através do uso sem a mediação do mercado, caso, por exemplo de bens de consumo produzidos pelo Estado (escolas, pronto-socorros, etc. ou onde a sociedade cria um so possí­vel (áreas de lazer, praças, etc.).


A determinação social do espaço, enquanto meio de con­sumo para satisfazer necessidades humanas, assume uma forma.de valor, de intercambialidade; ele é trabalho materializado ou em potencial. Isso implica necessariamente uma disputa que obedece às regras do jogo de mercado.


As formas assumidas pelo processo de produção do espaço urbano – em função da divisão social e territorial do trabalho-refletem, necessariamente, a contradição entre um processo de produção socializado e sua apropriação privada. Implicam a con­tradição entre os interesses e necessidades da reprodução do capital, de um lado, e do desenvolvimento da sociedade como um todo, de outro. Logo, o que está em jogo é o processo de produção da cidade e sua apropriação do espaço para determi­nado uso.


O espaço, entendido como base da vida e de toda atividade humana, seja ela produtiva ou não, tem, no capitalismo, seu processo de apropriação legitimado juridicamente pela propriedade privada. O acesso à terra confere ao proprietário o direito de dispor dela. Seu uso será determinado pelas necessidades de re­produção do capital, ainda que este apareça travestido, sob a forma de necessidades da sociedade em geral.


O uso do solo urbano dá-se, pois, mediante disputa determinada quer pela necessidade do uso e mesmo expansão de certos tipos de uso, como pela utilização da terra como reserva de valor. A disputa fundamentada nas contradições em que se dá o processo de reprodução espacial, implica profundas transformações no uso do solo.


O uso do solo urbano será disputado pelos vários segmen­tos da sociedade de forma diferenciada, gerando conflitos entre indivíduos e usos, pois o processo de representação espacial envolve uma sociedade hierarquizada, dividida em classes, produzindo de forma socializada para indivíduos privados. Desse mo­do, a cidade enquanto trabalho materializado social é apropriada de forma diferenciada pelo cidadão.


Assim, a diferenciação dos usos será a manifestação espa­cial da divisão técnica e social do trabalho, num determinado momento histórico. A forma em que se apresenta é decorrente do grau de desenvolvimento das formas produtivas materiais da so­ciedade, das condições em que se dá a produção e do desenvolvimento do processo de humanização do homem.


Não podemos negar que na cidade as relações entre ho­mens são diferentes das da fábrica; aqui existe a esfera da coti­dianidade que envolve, basicamente, relações de consumo. A relação de dominação entre os homens é suavizada, mas nem por isso desaparecem as diferenças, que aparecem não só no uso do solo, no acesso aos bens de consumo coletivo, mas na roupa, nos olhos, nos gestos, etc.


Por outro lado, a cidade não é simples condição objetiva de vida, ela supõe direção, gestão, atividades sociais, políticas, religiosas, etc. Em certo sentido, é também cultura; e por isso guarda a dimensão do humano. Todavia, ela se produz de forma vin­culada à propriedade privada que se materializa na segregação espacial.


Em síntese, o entendimento da cidade só pode ser alcançado a partir da unidade de dois níveis de análise; aquele da capital e o da sociedade como um todo onde o indivíduo é antes de mais nada um cidadão com todos os direitos que o termo implica.

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