Dentro de campo, a supremacia é inquestionável: o Brasil foi o único país que disputou todas as Copas do Mundo, tema seleção que levantou a taça o maior número de vezes cinco e está sempre encabeçando o ranking mundial da Fifa. Temido pelos adversários com a bola em jogo, o futebol brasileiro é bem mais modesto longe dos gramados. Em termos de aproveitamento do esporte como atividade econômica, o Brasil ainda está na segunda divisão: 71% dos clubes brasileiros tiveram prejuízo em 2008, as dívidas acumuladas somam cerca de 2,3 bilhões de reais e a receita dos principais clubes brasileiros equivale ao faturamento do Real Madrid sozinho. Lá fora, os principais clubes da Europa viraram empresas, algumas cotadas em bolsa, e movimentam centenas de milhões de dólares. Por aqui, a maioria ainda é tocada na base do amor à camisa. "Em uma frase: falta capitalismo ao futebol brasileiro", diz Robson Calil, sócio da consultoria Deloitte e responsável pelos projetos da Copa do Mundo de 2014.
A dificuldade de aproveitar o potencial econômico do futebol no Brasil começa no degrau mais baixo a gestão dos clubes. Os times brasileiros são associações sem fins lucrativos, cujo comando não é profissionalizado. Quem conduz a administração são dirigentes voluntários, que não recebem remuneração e, por isso, dividem seu tempo com outras atividades profissionais. Com uma gestão descuidada no campo financeiro, a maioria não consegue transformar o bom futebol em um negócio atrativo. Mesmo as receitas mais óbvias, como as de bilheteria, não são bem exploradas. A segurança precária nos estádios afugenta as famílias, a desorganização dificulta o acesso dos torcedores assíduos e a escassez de camarotes e assentos de melhor padrão impossibilita a cobrança de ingressos de alto valor. O resultado é a baixa ocupação dos estádios brasileiros: em média, cada partida do Campeonato Brasileiro recebe 17.500 torcedores pouco mais de um terço do público nos campeonatos da Europa.
Os consecutivos anos de má gestão e de resultados no vermelho deixaram para os clubes uma herança difícil de driblar com acúmulo de passivos fiscais e trabalhistas. Alguns times, como o Flamengo, chegam a ter uma dívida duas vezes maior do que sua receita anual. Comas contas apertadas, os clubes recorrem àquela que é a principal fonte de financiamento do futebol brasileiro: a venda de jogadores. Dados da Casual Auditores Independentes, auditoria paulista especializada em clubes de futebol, mostram que a renda obtida pelos principais times brasileiros com a negociação de atletas em 2008 chegou a 397 milhões de reais, quase um terço da arrecadação total. "Os clubes aqui só conseguem sobreviver se vendem jogadores", diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras.
Pior para o torcedor, que tem de assistir pela televisão ao sucesso de seus craques lá fora. A necessidade de vender atletas para recompor o caixa fez do Brasil a maior usina de formação de jogadores no mundo a venda para o exterior ultrapassa a casa dos 1.000 atletas por ano. Nos campeonatos europeus, os brasileiros lideram o ranking das nacionalidades, com mais de 500 jogadores profissionais em campo à frente de França e Portugal, por exemplo.
O Brasil já exportou atletas para os gramados mais remotos como a ilha mediterrânea de Chipre e a ex-república soviética do Azerbaijão. Há um subproduto interessante da posição de fornecedor oficial de jogadores: a migração constante de atletas acaba criando mais espaço para o desenvolvimento de novos craques internamente. O que hoje é uma salvação para as finanças dos clubes, no entanto, poderia ser uma verdadeira máquina de captação se fosse feito com maior planejamento. Como precisam de dinheiro imediato, os times costumam vender para investidores locais participações minoritárias nos direitos econômicos dos jogadores antes mesmo de eles se tomarem alvo de ofertas.
Quando o jogador fica conhecido e é arrematado por outra equipe, os clubes levam uma fatia menor da bolada. "Se os times estivessem mais fortalecidos financeiramente, não precisariam se desfazer de seus jogadores em um estágio tão inicial", diz o empresário Giuseppe Dioguardi, agente da Fifa que investe em participações de jogadores brasileiros.
No mercado internacional, principalmente na Europa a realidade é bastante diferente. A maioria dos clubes funciona como empresa, com metas e gestão profissionalizada. Os estádios ganharam feições de shopping center, com lojas e restaurantes, e possuem áreas vip para reuniões de executivos. Uma das referências é o inglês Manchester United, que há seis anos lidera a lista dos times mais valiosos do mundo, segundo a revista americana Forbes. Avaliado em 1,9 bilhão de dólares, o clube é visto pelos especialistas como exemplo de diversificação de receitas e de bom uso da marca, que atrai torcedores e consumidores de todo o mundo. Pelo site do Manchester, é possível comprar ingressos sem filas, adquirir camisetas e acessórios do time e contratar serviços financeiros, como cartões de crédito e seguros. "Lá fora, os clubes têm uma visão comercial desenvolvida, ao contrário do que acontece no Brasil", diz Felix Álvares Garmon, vice-presidente da IMG, uma das maiores agências de marketing esportivo do mundo.
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