quarta-feira, fevereiro 17, 2010

ECONOMIA E CIDADE

O progresso material obtido nestes últimos anos no Brasil teve como base a aceitação extrema de uma racionalidade econômica exercida pelas firmas mais poderosas, estrangeiras ou nacionais, e o uso extremo de força e do poder de Estado na criação de condições gerais de produção propícias à forma de cresci¬mento adotada. Essas condições gerais da produção não se cingiam à criação de infra-estruturas e sistemas de engenharia adequados, mas chegavam à formulação das condições políticas que assegurassem o êxito mais retumbante à conjugação de esforços públicos e privados, no sentido de ver o país avançando, em passo acelerado, para uma forma "superior" de capitalismo. Por isso, a noção de direitos políti¬cos e de direitos individuais teve que ser desrespeitada, se não fre¬quentemente pisoteada e anulada. Sem esses pré-requisitos, seria im¬possível manter como pobres milhões de brasileiros, cuja pobreza viria de fato a ser criada pelo modelo econômico anunciado como reden¬tor. Aliás, muitos pobres acreditaram nos slogans com que se popula¬rizou o discurso cientificista dos economistas do regime, e acabaram mais pobres ainda. O modelo político e o modelo cívico foram instrumentais ao modelo econômico. As esperanças com que este último acenava às massas eram por demais sedutoras, e estas massas eram despertadas para a necessidade, o interesse, a vantagem de ampliação do consumo, mas não para o exercício da cidadania, que era cada vez mais amputada.
Colocada de fato a serviço do encontro de combinações entre pos¬sibilidades técnicas mais produtivas e logo apontadas como as que convinham melhor a toda a sociedade, a economia se tornava, ao mesmo tempo, a técnica das técnicas e o modelo, a referência maior, de uma elaboração intelectual destinada a se tornar, sem debate váli¬do, concreto histórico e vivido.
Assim, a compreensão do movimento social ou, pelo menos, seu equacionamento intelectual com vistas à intervenção pelo planeja¬mento ou, simplesmente, pelas ações cotidianas do poder público ganha como referência maior não propriamente a economia (o que já seria abusivo), mas as chamadas necessidades econômicas, o que, nas condições acima enunciadas, consiste em abandonar toda preocupa¬ção teleológica e em valorizar um pragmatismo que atribui o coman¬do, sem base filosófica, da vida social aos instrumentos e à sua utiliza¬ção racional, em nome do lucro.
A partir da idéia de infalibilidade da ciência como fator decisivo da atividade produtiva em nossos dias, a ciência da economia se viu atribuir uma aura mística, por conferir credibilidade, por meio de uma formulação teórica, a práticas mercantis com diverso conteúdo moral. Ao descobrir a possibilidade de novas técnicas, a ciência ape¬nas alcança ser história quando serve de base a uma ação econômica planejada, isto é, à política econômica. Essa fornece as fórmulas mais adequadas à obtenção do maior lucro, à competição entre firmas e à vitória de algumas, orientando os consumos, justificando o compor¬tamento indutor seletivo do Estado e das organizações internacionais, escrevendo, em suma, o manual de procedimentos imprescindíveis para que, pelo progresso técnico, o processo de subordinação das fir¬mas menores às maiores, de países pobres a países ricos e, de um modo mais geral, do trabalho ao capital, aprofunde-se e amplie-se.
Desse modo, a economia tende a se apresentar como uma técnica a mais, voltada exclusivamente para as mais diversas modalidades de maximização do chamado econômico, escondendo a sua condição de ser um meio e erigindo-o em verdadeira finalidade. Esse papel que a economia neoclássica se atribui merece ser examinado à luz da histó¬ria recente do mundo e, sobretudo, de certos países.

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