quarta-feira, fevereiro 17, 2010

POLUIÇÃO DO PULMÃO

A maioria das pessoas acredita que a Floresta Amazônica é o pulmão do planeta. Que, se ela desaparecer, o aquecimento global vai se acelerar de modo calamitoso. Quan¬to a isso, vale uma ressalva. Para mere¬cer o título de pulmão do planeta, a re¬gião precisaria parar de envenenar a atmosfera com gases do efeito estufa. Atualmente, as 260 usinas termelétricas em operação em sete estados amazônicos, a grande maioria movida a óleo diesel, despejam todo ano na at¬mosfera 6 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o principal gás que causa o aquecimento global. Parece pouco diante dos 770 milhões de toneladas de CO2 emitidas anualmente pelo desmatamento e pelas queimadas, na floresta. O CO2 produzido pelas termelétricas amazônicas, contudo, equi¬vale ao dobro das emissões produzidas no mesmo período pela frota de veícu¬los da cidade de São Paulo, a maior do país. Manaus abriga uma das mais bem-sucedidas experiências de desen-volvimento sustentável, a Zona Franca, que produz riquezas sem precisar des-truir um só graveto da floresta, Para movimentar suas indústrias, no entan¬to, a cidade depende quase integral¬mente da queima de óleo, As termelétricas respondem por 85% da eletricidade consumida no Amazonas, 70% no caso do Acre e 60% no do Amapá. O pulmão do mundo encontra-se intoxica¬do pela fumaceira.
Numa região rica de recursos hídricos, não é nada de mais esperar que pelo me¬nos 90% da energia elétrica consumida em suas cidades venha de fontes limpas, como as hidrelétricas. As termelétricas, além de poluidoras, não são confiáveis. Há grandes oscilações de energia ao lon¬go do dia e às vezes falta luz. Isso repre¬senta um custo tremendo para as empresas, que instalam geradores próprios pa¬ra se precaver das falhas de energia. A po¬luição e o custo extra para as indústrias não são os únicos ônus da dependência da Amazônia das termelétricas. A região não produz uma só gota do óleo diesel queimado nas usinas. Ele vem de São Paulo, do Rio de Janeiro e até de outros países, como índia, Estados Unidos e Venezuela. O resultado é uma energia até cinco vezes mais cara do que a utili¬zada no restante do país. Se fosse integralmente repassada ao consumidor final, essa diferença praticamente inviabilizaria a venda da energia das termelétricas. Por isso, existe um mecanismo para subsidiar o diesel usado na Amazônia, Conta de Consumo de Combustiveis (CCC), estimada neste ano em 2,7 bilhões de reais. Esse valor é rateado todos os consumidores do país. Entre 2% e 3% da conta de luz que o brasileiro paga, more ele em Porto Alegre, Salvador ou Vitória, destina-se a subsidiar a energia da Amazônia.
Levar o óleo diesel às termelétrica da Amazônia é uma operação, além de custosa, complicada. Todos os meses atracam em Manaus cinco petroleiros carregados com 180 milhões de litros de óleo para abastecer as usinas e o setor de transportes da região norte. Os petroleiros percorrem quase 6000 quilômetros, do Sudeste até Manaus. De lá, o diesel é levado para outras cidades da Região Norte a bordo de quase 200 balsas-tanque e 500 caminhões. Há trechos, como o que se percorre até Cruzeiro do Sul, no Acre, que exigem mais de 4 000 quilômetros de navegação pelos rios. A viagem dura 25 dias, ou mais, além dos quinze gastos inicialmente no transpor¬te a partir do Sudeste, dependendo das dificuldades criadas pela natureza. Nos períodos de seca, quando o nível dos rios fica muito baixo, o transporte por balsas é interrompido durante quatro meses e o combustível precisa ser esto¬cado para não haver desabastecimento na cidade. Essas condições adversas re¬sultam às vezes em situações esdrúxulas. Dependendo do destino do diesel, chega-se a gastar 2 litros dele como combustível para transportar cada litro que vai alimentar uma termelétrica.
Além de produzir poluição e atrapa¬lhar a atividade econômica, a dependên¬cia de diesel causa vários transtornos à população da Amazônia. Nas comunida¬des ribeirinhas onde a única fonte de energia é um pequeno gerador, os mora¬dores precisam racionar combustível pa¬ra ter luz o mês inteiro. E, mesmo assim, apenas parcialmente, porque nesses ca¬sos o equipamento só é ligado três horas por dia, geralmente à noite.
Acabar com a dependência do diesel na Amazônia é uma prioridade que es¬barra sistematicamente na oposição de ambientalistas e do Ibama. Há hoje no Brasil dezoito projetos de hidrelétricas que não saem do papel ou cujas obras estão atrasadas por causa de ações judiciais que questionam seu impacto am¬biental. Os motivos sao variados: os rios que receberão as turbinas passam por reservas indígenas ou áreas de preserva¬ção. No Madeira, gastou-se em estudos sobre o impacto na piracema dos bagres (a conclusão foi que bastava deixar uma passagem para os peixes, como normal¬mente é feito em barragens).
A oposição do Ibama e dos ambientalistas a obras energéticas necessárias ao desenvolvimento da Amazônia não interessa a ninguém, muito menos aos moradores da região. O Brasil precisa ampliar sua produção d energia em 50% até 2017. As usinas hidrelétricas constituem a forma mais limpa e barata de produzi-la. A tecnologia hoje permite que os reservatórios das hidrelétricas tenham apenas 15% do tamanho que tinham no passado. Ou seja, seu impacto ambiental é muito menor. Mesmo assim, no Brasil, por incrí-vel que pareça, os ambientalistas têm mais fôlego para combater as hidrelétricas do que as carvoarias.
Como a Amazônia tem características geográficas complexas, com rios gigan¬tescos e florestas densas, levar as linhas de transmissão de eletricidade a muitos pontos da região é difícil. Estudos mos¬tram que, nessas áreas, o ideal seria re¬correr às fontes alternativas de energia, Entre elas, a eólica tem potencial restri¬to. Poderia ser explorada quase exclusi¬vamente na costa do Amapá, com condi¬ções de vento semelhantes às do Nordeste. A opção que se mostra mais viá¬vel nesses casos é a energia solar. A Amazônia tem média de radiação solar três vezes superior à de países como a Alemanha, líder mundial em energia produzida por painéis fotovoltaicos. A implantação da energia solar em muni¬cípios de porte médio ou pequeno é uma operação relativamente rápida que po¬deria, em pouco tempo, reduzir o uso das usinas termelétricas em diversos pontos da Amazônia. Em comunidades ribeirinhas, as fontes alternativas de energia podem substituir por completo os geradores a diesel.
É preciso tirar do papel os projetos de grande porte, como as hidrelétricas, e apostar nas energias alternativas para livrar a Amazônia da fumaceira poluente e cara do óleo diesel.

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