quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Em poucos quilômetros quadrados da Floresta Amazônica há mais espécies de plantas do que em to¬da a Europa. Há mais espécies de animais do que na América Central, Uma única arvore pode servir de lar a 170 tipos de invertebrados, que vão de formigas á aranhas, de abelhas a besouros. A Amazonia é a região de maior biodiversidade do mundo, mas nós, brasileiros, só temos uma pálida idéia dessa exuberância viva, Calcula-se que apenas 10% de todas as formas de vida que a Floresta Amazônica já tenham sido estudadas e catalogadas. Essa falta de conhecimento científico sobre o bioma é uma das fragilidades amazônicas, O desconheci¬mento representa um obstáculo para a produção de riqueza a partir da flo¬resta em pé. É impossível agregar valor ao que não se conhece. Estima-se que a flora, a fauna, fungos e outros microorganismos da floresta guardem, um enorme potencial para a produção de remédios e alimentos e para vários setores da industria. A riqueza escondida, porém, não vale nada. É preciso mãos e cérebros para descobri-la e é justamente isso que falta de forma crônica,à Amazônia.
. O campus da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto tem mais pesquisadores do que todo o estado do Amazonas. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem mais que o dobro do número de pesquisadores do Pará, o estado líder na região em matéria de cientistas qualificados. A Universidade de São Paulo tem o triplo de doutores de toda Amazônia. A região é cenário de 18% das pesquisas em biodiversidade no Brasil, contra 36% da Mata Atlântica, embora essa última representa 2% da Amazônia a falta de pesquisadores é agravada pela baixa qualidade dos cursos de formação de cientistas. Ne¬nhum curso de mestrado ou doutora¬do de universidades amazônicas al¬cança a nota máxima, 7, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), institui¬ção ligada ao Ministério da Educação. A maior parte leva 3, a nota mínima para não fechar as portas.
Um prédio erguido em meio às industrias da Zona Franca de Manaus serve de símbolo do quadro desolador da pesquisa cientifica na Região Norte. A construção abriga o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) inaugurado em 2002 e dotado de 25 laboratórios para explorar o potencial da floresta, Há bons motivos para criar um centro de excelência em biotecnologia na Amazônia. O instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, estima que 25% de todas as substâncias usadas para tratamento de tumores no mundo, hoje, venham de florestas tropicais. Só que o CBA virou um elefante branco, ou como zombam os amazonenses, uma anta branca. O centro já consumiu 67 milhões de reais e ainda não produziu resultado algum.
Após a inauguração do CBA, sua administração foi entregue provisoriamente à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Desde então os seis ministérios responsáveis pelo projeto se perdem em discussões burocráticas tentando definir qual deve ser o modelo de gestão. A primeira opção seria uma empresa pública só de pesquisa, com fins lucrativos, nos moldes da Embrapa. A segunda, um instituto de pesquisa combinado a uma instituição de ensino superior, como o Inpa, com objetivos puramente científicos. Para a suframa, o CBA é uma batata quente. O órgão não sabe o que fazer dele nem tem autonomia para decidir seus rumos. “O Brasil precisa aprender a transformar pesquisa em dinheiro e o CBA pode fazer isso, mas não é a vocação da Suframa comandar um instituto de biotecnologia da Suframa. Enquanto isso, semiparalisado, o CBA se limita a fazer análises químicas para instituições de pesquisa e empresas particulares, subutilizando seus aparelhos modernos, avaliados em 20 milhões de reais. Um dos últimos trabalhos do órgão, acredite-se, foi ava¬liar a resistência ao clima de uma marca de bombons fabricados em Manaus.
Para tirar a Amazônia do limbo cientí¬fico, é preciso também acabar com um mito tão arraigado quanto o do boto - cor-de-rosa — o mito da biopirataria. Ardilosos cientistas estran¬geiros entram na floresta e roubam do país plantas, animais e microrganismos valiosos para a indústria farmacêutica, sem dar satisfação ao país. A partir de 2001, para se precaver contra a suposta biopirataria, um cipoal de decretos e normas burocratizou a produção científica e pôs uma série de obstáculos às pesquisas.
Para coletar plantas da floresta legalmente, um pesquisador, brasileiro ou estrangeiro, precisa de uma licença do Instituto Chico Mendes de Conservacao da biodiver¬sidade (ICMBio), uma autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente. Para transportar as plantas que encontrar pelo caminho ao laboratório, ele necessita de uma segunda licença do mesmo órgão. A licença pode demorar dois meses para sair. Caso o cientista deseje estudar os usos potenciais da planta que coletou, terá de pedir uma terceira licença a outro órgão, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), formado por representantes de dezenove entidades — entre elas a Fundação Cultural Pal¬mares e a Fundação Nacional do índio. E quanto tempo demora essa licença? Só o cacique sabe. Não menos do que vários meses. Existem hoje 167 proces¬sos desse tipo parados no Cgen. Não é à toa que muitos cientistas desistem no meio do caminho.
O resultado da caça às bruxas da biopirataria é a debandada de pesquisado-res estrangeiros do país. O Inpa, tradicional parceiro de organismos internacionais, firmou apenas dois acordos de pesquisa entre 2002 e 2007. A retomada só aconteceu em 2008, quando foram firmados seis acordos de cooperação com órgãos de outros países. Os pesquisadores es¬trangeiros sérios, que estudam biodi-versidade, foram embora. Cientista que vem ao país amparado por instituições respeitadas não é biopirata. É mais fácil um turista levar algo ilegalmente da flo¬resta do que um pesquisador. Muitos estrangeiros migraram para a Amazônia peruana ou para a Guiana Francesa, on¬de o cientista é tratado como parceiro, não como ameaça.
Boa parte do conhecimento que se tem sobre a Amazônia se deve aos es-trangeiros. Um dos principais livros so¬bre a flora da região (e do Brasil) foi escrito no século XIX pelo botânico ale¬mão Cari Friedrich Philipp von Martius, em que são descritas 22700 espécies de plantas. A maior coleção de plantas amazônicas está no Jardim Botânico de Nova York. Para saber se uma espécie é nova ou não, é útil recorrer aos america¬nos. Os dois projetos de mapeamento de biodiversidade da Amazônia mais im¬portantes, hoje, têm participação de cientistas e organizações de outros paises. A ONG americana Conservação Internacional é a principal patrocinadora de um estudo que visa mapear a biodi¬versidade nas áreas tropicais do mundo. Seu projeto de longo prazo é saber como as mudanças no clima do planeta afetam as espécies. Outro projeto é o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), ligado ao Ministério da Ciência e Tec¬nologia, que pretende descobrir, enfim, quantas espécies existem na Amazônia e como elas se distribuem. Conhecer o bioma amazônico a fundo é um passo importante para preservar a floresta.

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